Entrevista com Robert Darton
Observando os acontecimentos no Oriente Médio, o sr. diria que o lema da Revolução Francesa liberdade, igualdade, fraternidade está vivo?
ROBERT DARNTON - Bem, não tenho tanta certeza sobre a fraternidade porque há mulheres envolvidas, e a palavra teria sentido diferente hoje do que tinha no século 18. Tivemos o movimento de liberação feminina, e está claro que esses protestos no Cairo e em outros lugares não foram feitos só por homens.
No livro "Ecos da Marselhesa", o historiador Eric Hobsbawm, que é marxista, diz que a Revolução Francesa plantou uma ideia mais ampla do que a luta de classes, a de que a ação dos povos pode mudar a história. O sr. concorda?
ROBERT DARNTON - Completamente. Sou amigo de Hobsbawm e acho que ele está certo nisso. Mas a antiga fórmula marxista é que uma revolução é uma contradição entre as relações sociais de produção e as forças produtivas. E não vejo nada disso acontecendo hoje.
O sr. comparou os "rumores públicos" da época da Revolução Francesa com as redes sociais virtuais de hoje...
ROBERT DARNTON - Os analistas destacam o papel de Twitter, Facebook, câmeras digitais etc. Diria que é um pouco mais complicado. Além da existência crucial de novos meios, está o que chamo de força eletrizante de acontecimentos reais, que foram transmitidos e amplificados por eles, criando uma consciência, uma imaginação coletiva.
No caso da Revolução Francesa, as pessoas que a estavam vivendo a chamavam já desse modo, não?
ROBERT DARNTON - Sim. Passei algum tempo pesquisando o significado da palavra em francês, e ela está ligada ao verbo girar, um movimento de volta a um ponto inicial. Mas quando as pessoas falavam que estavam fazendo uma revolução estavam dando um novo significado à palavra. Mas ouso dizer que em alguns casos há pessoas que se denominam revolucionárias que na verdade promovem apenas um tumulto que se esgota e não muda nada.
Por que as revoluções são tão raras e tão difíceis de prever?
ROBERT DARNTON - Não sei. Ninguém previu esta explosão agora. E eu estava em Berlim em 1989 quando o Muro caiu, no Instituto de Estudos Avançados, com especialistas de todo tipo, e ninguém tinha a mínima noção de que estava para acontecer o momento que poria fim à Guerra Fria.
Por que a influência global da Revolução Francesa é maior do que a da Americana [1776], se houve influência mútua entre ambas e esta aconteceu antes?
ROBERT DARNTON - É difícil medir influência. No entanto é irrefutável que a Revolução Francesa teve tremenda influência nos séculos 19 e 20. A apropriada pelos marxistas, se tornou um ingrediente da Guerra Fria. Foi vista como a mãe de todas as revoluções, e tenho que admitir que essa é a minha visão. Mesmo Leon Trotsky [1879-1940] na Rússia estava tão convencido do modelo francês que começou a ver sintomas de uma reação termidoriana [referência à condenação à morte de Maximilien Robespierre e ao fim do comando jacobino da revolução, em 1794].
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Max Gallo, autor de Revolução Francesa, concede entrevista exclusiva à L&PM
Membro da Academia Francesa, Max Gallo publicou mais de 80 livros percorrendo com igual desenvoltura gêneros como romance, ensaio, história, biografia e política. Faz uma distinção muito clara entre o romance ficcional e a história romanceada: “costumo chamar meus romances de ‘romances-história”, explica.
Nas livrarias brasileiras podem ser encontrados Revolução Francesa (dois volumes.), as biografias de Napoleão (dois volumes), Victor Hugo (dois volumes) e César, e as séries Os cristãos (história-romanceada em 3 volumes) e Os Patriotas (ficção em quatro volumes).
O processo de criação e seu mais recente trabalho, Revolução Francesa, volumes 1 e 2, são alguns dos temas dessa entrevista exclusiva concedida à L&PM Editores.
L&PM: Sua produção bibliográfica contém inúmeras biografias de personalidades, como De Gaulle e Victor Hugo. Sua biografia de Napoleão, por exemplo, possibilita uma grande intimidade do leitor com o biografado, pois o senhor imagina as reflexões e pensamentos dele. Como pode ser descrito o seu processo de criação? Esses pensamentos e reflexões dos personagens são sempre baseados em documentos?
MG: De fato, por muito tempo fui professor universitário. Tenho um superego que não me permite inventar declarações, citações, não “faço filhos à história”, como dizia Alexandre Dumas, de quem, aliás, gosto muito.
Atenho-me em preservar a realidade histórica e consultar os documentos. Mas minha liberdade vem do enredo: coloco em cena as frases, os discursos. Utilizo as memórias de alguns, as confidências de outros. Há abundância de documentos íntimos, em todas as épocas históricas. Temos as várias cartas de Napoleão para Joséphine de Beauharnais, os numerosíssimos discursos e cartas de De Gaulle, os cadernos de Victor Hugo etc. que nos permitem entrar no cotidiano dessas personalidades.
L&PM: Publicamos no Brasil a biografia de Luís XVI escrita por Bernard Vincent (publicada na França pela Gallimard, na coleção Folio Biographies). Parece-nos haver na França, neste momento, uma espécie de revisão positiva, no mínimo clemente, da figura de Luís XVI. O senhor concorda com esta impressão? Por que isso acontece no momento histórico atual?
MG: Sim, mas como afirmei acima, Luís XVI nunca foi considerado um déspota, no máximo foi considerado um imbecil, alguém que gostava de trabalhos manuais. Uma visão mais positiva do personagem existe há muito tempo. Jean Jaurès, líder socialista, escreveu uma história socialista da França. Um editor extraiu dela tudo o que dizia respeito a Luís XVI e eu prefaciei este volume. Fiquei surpreso de ver que Jaurès, ao falar do julgamento de Luís XVI pela Convenção em 1792, é bastante moderado e compreensivo. A personalidade do rei lhe aparece como de fato era: uma vítima do mecanismo histórico, de suas próprias convicções e de sua fidelidade ao estatuto do direito divino.
L&PM: Por que o senhor escolheu o caminho da narrativa histórica?
MG: Escrevi uma tese, muitos artigos etc., mas o que gosto de fazer, no fundo, é contar a História como um romance. Gosto de chamar os romances que escrevo de “romances-história”. Não pretendo escrever uma obra que revolucione o conhecimento histórico. “O bom historiador se parece com o ogro da lenda. Ali onde ele sente o cheiro de carne humana, sabe que está sua presa”, dizia o historiador Marc Bloch. Eu gosto de carne viva, gosto de colocá-la em movimento, de fazê-la viver.
L&PM: Em sua opinião, a Revolução Francesa foi mais importante para a França ou para o mundo?
MG: É evidente que ela tem uma importância crucial para a França. Mas ela está inscrita num movimento revolucionário que inicia além das fronteiras da França, em 1782 com uma revolução de Genebra, depois com a revolução americana. No entanto, mais do que essas revoluções que alguns historiadores chamaram de “revoluções atlânticas”, a Revolução Francesa marcou o mundo por estabelecer princípios universais: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Os princípios de igualdade, de liberdade, podem ser ouvidos na América Latina, podem ser ouvidos nos antigos países do império austro-húngaro. Houve revoluções onde se cantou a Marselhesa. Na Rússia, a partir de 1825 aconteceram complôs de jovens oficiais, que tinham ido para Paris em 1815 e voltaram marcados para sempre etc.